Caminhão de papel


Assim que soube o tema dessa semana eu pensei logo na primeira boda, a de papel.
Boda vem do latim votum e significa promessa. Talvez por isso eu tenha acionado logo essa parte do meu repertório; estou ansioso pra poder dizer “minha promessa”.
Mas e o caminhão? 
Joguei no Google “caminhão que carrega papel” e fiquei impressionado com a quantidade de acidentes que envolvem veículos carregados desse material: “Um caminhão carregado de papeis empina e não sai do lugar”, “Um caminhão desgovernado, carregado de papel reciclado, caiu em uma ribanceira”, “Caminhão tomba na Curva da Morte, carregado de bobinas de papel”.
Diante disso, achei melhor dar relevo ao papel.
O papel é um afeltrado de fibras unidas tanto fisicamente como quimicamente por ligações de hidrogênio.
Desde os tempos mais remotos o homem vem desenhando nas superfícies dos mais diferentes materiais; paredes rochosas, pedras, ossos, folhas de certas plantas, o próprio corpo todos com a finalidade de representar objetos inanimados ou em movimento, comunicar-se.
O papel surgiu acompanhando o desenvolvimento da inteligência humana, porém com o objetivo maior de dar cor a sentimentos.

Papel ácido;papel alcalino; papel artesanal; papel autocopiativo; papel bíblia; papel cartão; papel couché; papel dobradura; papel de seda; glinter; papel higiênico; papel jornal; papel fotocopiador; papel fotográfico; papel offset; papel termossensível; papelão; papel reciclado; papel presente; papel vegetal; papel vergé; papel sulfite; papel de arroz; papel de westimentor; papel de folha de bananeira...

São muitos os tamanhos e os tipos de papel; 
E é assim com o sentimento responsável pela bodas de papel:

Eros, philos, ágape, amor erótico, físico, amor de amigo, amor de doação, amor divino, amor ludus, psique, mania, amor de dependência, amor pragma (lista de compras), amor platônico, storge, paixão, loucura, sexo, amor interpessoal, amor triangular de Sternberg, xênia, amare, diligere, observare, caritas ( e para esse eu tenho até uma prece de vó).

Ambos, o amor e o papel requerem fibras com propriedades especiais para sua “fabricação”.
Mas enquanto o papel extrai a matéria-prima, o amor planta árvores, mais que conexões genealógicas. 

O meu caminhão é um “caminhão de promessas”.

Quem venha logo a bodas de papel.

Posts da Trupe de Quinta

amanda oliveiraAna Maria Amorimandré pachecoizabel pompermayerlara marxnati boaventurarafa glassvictor godoi

Come chocolates!


Não sou nada.Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


...
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
...
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? 
Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
...

Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
...
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
...
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
...

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
...

Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos
Invoco a mim mesmo
...

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra..."


Trecho de Tabacaria
Álvaro de Campos - Fernando Pessoa

Medo da Eternidade

Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade. 

Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.

Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou: 


- Como não acaba? - Parei um instante na rua, perplexa. 


- Não acaba nunca, e pronto. 


- Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual já começara a me dar conta. 


- Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca. 


- E agora que é que eu faço? - Perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver. 


- Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários. 


- Perder a eternidade? Nunca. 


O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola. 


- Acabou-se o docinho. E agora? 


- Agora mastigue para sempre. 


Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da idéia de eternidade ou de infinito.
Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.
Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia. 


- Olha só o que me aconteceu! - Disse eu em fingidos espanto e tristeza. - Agora não posso mastigar mais! A bala acabou! 


- Já lhe disse - repetiu minha irmã - que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá. 


Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra na boca por acaso. 


Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim. 


LISPECTOR, Clarice. Medo da eternidade. In: A descoberta do mundo. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984. p.

"Nasce o Sol, e não dura mais que um dia..."


MORALIZA O POETA NOS OCIDENTES DO SOL A INCONSTÂNCIA DOS BENS DO MUNDO 

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria. 

Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia? 

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza. 

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.


Gregório de Matos e Guerra

O que é a faixa de möbius


   Aplicações práticas palpáveis e concretas para a faixa de möbius, não existem. No entanto em estudos, principalmente na Astronomia, há muitas aplicações para a “fita de möbius” assim como para a "garrafa de Klein". Mais especificamente a descoberta da faixa de Möbius desencadeou uma área inteira e nova de estudo na Matemática... conhecida como topologia
   A topologia é como a geometria sem a escala (as dimensões), é a ciência que trata das superfícies elásticas, e trata os objetos pelas relações que têm entre si, independente de suas dimensões. Assim, para a topologia, um cubo é igual uma esfera, mas ambos são diferentes de uma xícara. 
   Para a topologia, enquanto uma mapa comum é uma figura geométrica, um mapa como o do metrô é um grafo topológico, onde o que importa não são as dimensões reais, mas a ordem das estações e os entroncamentos.
   A faixa de Möbius é uma faixa, espelhada no eixo em que fora "torcida". Ou seja, um espaço não-orientável, identificado, do qual se pode entrar ou sair de um espaço ou superfície, sem "dar a volta".
   A primeira coisa que notamos na Faixa de Moebius é que ela só tem um lado: podemos ir de um ponto de um "lado" da faixa a qualquer ponto do "outro" lado através de um caminho contínuo sem nunca perfurar a superfície nem passar pela fronteira. Então a faixa de Moebius não tem um lado de "dentro" nem de "fora", somente um. Além disso, ela tem uma única borda. Mais interessante ocorre, se tentamos cortar a faixa ao meio. Obtemos um único objeto contínuo: um anel que tem dois meio giros. Esse novo objeto não é uma faixa de Moebius genuína pois possui dois lados distintos. Mas se cortamos a faixa de Moebius numa linha que dista 1/3 da borda, teremos dois anéis entrelaçados: uma verdadeira faixa de Moebius e outro um anel que tem dois meio giros.
   Faixa de Möbius é o nome do blog porque essa foi a maneira que encontrei pra escrever textos que falem sobre o outro, mas não da maneira que estou acostumado a falar.
Aqui eu vou tentar ser um pouco não orientavel, atuando como um componente de fronteira sobre o que eu penso e o que eu quero pensar. 
   Espero conseguir deixar de lado as minhas plurais perspectivas e escolher apenas uma de cada vez. Sei que isso vai ser difícil, por isso sempre irei recorrer a postagens de textos que falem por mim. 
   Esse é um blog homeomorfo, quero que aqui exista uma aplicação entre os vários âmbitos, e que ao encontrar a linha tênue entre os espaços, que essa seja contínua, invertível e a sua inversa seja contínua.